Estrela da Lava Jato entrou para o MPF com liminar

Deltan prestou concurso no mesmo ano em que se formou. Legislação dizia que tinha de esperar dois anos. Agora são três

Pela lei, Dallagnol não poderia ter participado do concurso no qual foi aprovado. Mérito da ação nunca foi apreciado

O procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da força tarefa na Operação Lava Jato, ainda não procurou os jornais para explicar sua entrada no Ministério Público Federal através de um concurso do qual ele sequer poderia ter participado se a legislação em vigor tivesse sido respeitada. Conforme o jornalista Reinaldo Azevedo revelou com exclusividade nesta segunda-feira (24), Dellagnol colou grau em 2002 e no mesmo ano participou de processo seletivo de ampla concorrência aberto pelo MPF, embora a Lei Complementar 75/93 exigisse o mínimo de dois anos de formação, o que depois foi ampliado para três anos pela Emenda Constitucional 45/2004. Deltan conseguiu ser empossado por força de uma liminar, na qual foi alegada a teoria do “fato consumado”, o que, segundo entende hoje o STF, não existe em relação a concurso público.

De acordo com o que foi revelado por Reinaldo Azevedo, Deltan Dallagnol tornou-se bacharel em direito no dia 6 de fevereiro de 2002 e no mesmo ano se inscreveu em concurso aberto pelo MPF, contrariando o Artigo 187 da Lei Complementar nº 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União), que dizia que só podiam se inscrever para prestar concurso “bacharéis em Direito há pelo menos dois anos”. Para participar do processo ele conseguiu uma liminar na Justiça Federal do Paraná, foi aprovado e tomou posse em 2003, iniciando a carreira como representante do MPF no Tribunal de Contas União.

Segundo noticiou Reinaldo, a Advocacia Geral da União recorreu contra a decisão, mas em 2004 o Tribunal Regional Federal da Quarta Região empregou a teoria do fato consumado para manter a liminar, que acabou confirmada no Supremo Tribunal Federal, que anos mais tarde – em 2014 – chegou a conclusão de que a teoria o “fato consumado” não pode ser aplicado em caso de concurso público.

Agora a pouco o MPF divulgou uma nota do procurador em resposta à informação publicada por Reinado, mas não esclareceu os pontos questionados pelo jornalista:

1. No mesmo ano em que colou grau em Direito (6 de fevereiro de 2002), o procurador prestou concurso para juiz do Estado do Paraná, sendo aprovado em 2º lugar; para promotor de Justiça do mesmo Estado (1º lugar) e para procurador da República (10º lugar).

2. No caso do concurso para procurador da República (e não nos demais), a Lei Complementar 75/93 exigia um requisito temporal de dois anos de formado que vinha sendo julgado inconstitucional por diversos tribunais por violar princípios da Constituição, como os da igualdade e da razoabilidade. A Justiça decidiu assim em inúmeros casos, conforme lista exemplificativa que é apresentada abaixo:

TRF1, 6T, Rel. J. Maria do Carmo Cardoso, REO nº 01000483308, Autos nº 1999.01.00.048330-8/RR j. em 15/03/02, un., DJU 07/05/02, p. 214; TRF1, 6T, Rel. J. Daniel Paes Ribeiro, REO nº 2001.38.00.011634-4/MG, j. em 17/06/02, un., DJU 16/08/02, p. 193; TRF1, 6T, Rel. J. Daniel Paes Ribeiro, AMS nº 1998.01.00.027157-2/DF, j. em 16/04/2001, un., DJU de 31/05/2001, p. 628; TRF1, 6T, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, MC nº 01000356573, Autos nº 2001.01.00.035657-3, j. em 02/09/02, un., DJU de 25/09/02, p. 106; TRF1, 6T, Rel. J. Souza Prudente, REO nº 2000.01.00.054616-2/MG, j. em 05/03/01, un., DJU de 23/03/01, p. 169; Bol. Inf. De Jur. TRF1, nº 130, per. de 03/11/2003 a 07/11/2003, AC 2002.33.00.006365-5/BA, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, j. em 03/11/03; TRF3, 2T, Rel. J. Célio Benevides, REO nº 1995.03.066485-3/MS, j. em 04/06/1996, un., DJU 21/08/1996, p. 59452; TRF4, 4ª T, Rel. Des. Fed. Edgard A Lippmann Jr., AC nº 2002.70.00.012430-7/PR, J. em 28/04/04, um.; TRF4, 4ª T, Rel. Des. Fed. Edgard A Lippmann Jr., AI nº 2002.04.01.015091-0/PR, j. em 12/09/02, un.; TRF4, 4ª T, Rel. J. Edgard A Lippmann, AG nº 1999.04.01.011601-8/RS, j. em 26/10/1999, un., DJU 12/01/2000, p. 332; TRF4, 4T, Rel. J. A. A. Ramos de Oliveira, REO nº 10433, Autos nº 1998.04.01.028077-0/PR, j. em 15/08/00, un., DJU 06/09/00, p. 298; TRF4, 3T, Rel. J. Vivian Josete Pantaleão Caminha, REO nº 10412, Autos nº 1998.04.01.024900-2/PR, j. em 30/03/00, un., DJU de 07/06/00, p. 131;TRF5, 2T, Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, REOMS nº 80041-RN, Autos nº 2001.84.00.002131-9, j. em em 25/06/02, un., DJU 30/04/2003, p. 1055-1075; TRF5, 2T, Rel. J. Barros Dias (subst.) REO nº 051410/CE, j. em 05/03/96, un., DJU 12/04/96, p. 023844.

3. A referida sentença proferida pela Justiça Federal do Paraná, na situação do procurador, do mesmo modo em que diversos outros casos idênticos, entendeu que a exigência de dois anos de formado era inconstitucional, legitimando seu ingresso na carreira de procurador da República. Vários outros procuradores naquela época ingressaram na carreira amparados em decisões judiciais da mesma espécie.

4. O procurador tomou posse no cargo em 30 de janeiro de 2003. O requisito – julgado inconstitucional – de dois anos foi preenchido em 6 de fevereiro de 2004. Após essa data, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região avaliou apelação da União no caso do procurador e entendeu, com base no preenchimento do requisito posterior e no decurso do tempo, que o caso estava prejudicado e a situação estava consolidada. O reconhecimento da consolidação da situação de fato, com base no princípio constitucional da segurança jurídica, é um entendimento jurídico que encontra, do mesmo modo, amparo em inúmeros julgamentos de diversos tribunais, como aqueles exemplificativamente listados a seguir:

TRF2, AMS nº 42031, Autos nº 2002.02.01.001314-7/RJ, 2ª T, DJ 23/04/02, unânime; TRF2, AMS nº 44020, Autos nº 2002.02.01.028165-8/RJ, Rel. Juiz Valmir Peçanha, 4ª T, j. em 04/11/02, DJU 03/02/03, unânime; TRF3, AMS nº 206829, Autos nº 2000.03.99.055743-0/SP, 2ª T, DJ 25/09/2002; TRF 4ª R, MS nº 2000.04.01.008348-0/RS, Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, 4ª T, j. em 02/05/00, DJU 24/05/00, unânime; TRF4, MS nº 2001.71.00.003490-0/RS, Rel. Des. Marga Inge Barth Tessler, 3ª T, j. em 19/03/02, DJU 15/05/02, unânime; TRF 4ª R, MS nº 1998.04.01.019713-0/RS, Rel. Juiz Hermes S. Da Conceição Jr., 4ª T, j. em 30/05/00, DJU 02/08/00, unânime; TRF 4ª R, REO nº 12032, Autos nº 2000.04.01.0580438/PR, Rel. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, 3ª T, j. em 17/06/2003, DJU 02/07/2003, unânime; TRF5, REO nº 135539, Autos nº 98.0514169-1/CE, 4ª T, DJ 04/02/03, unânime; TRF5, AC nº 294021, Autos nº 2002.05.00.014609-1/PB, 2ª T, DJ 04/12/02, unânime; TRF5, REO nº 82544, Autos nº 2002.83.00.003537-0, 3ª T, j. em 13/02/2003, unânime; TRF5, REO nº 78429, autos nº 2001.82.00.000884-0/PB, 2ª T, DJ 08/05/03, unânime; TRF5, AC nº 152261, Autos nº 98.0550632-0/CE, 2ª T, DJ 15/11/99, unânime; TRF5, REO nº 64103/CE, Rel. Juiz Ubaldo Ataíde Cavalcante, 1ª T, j. em 10/12/1998, DJU 23/04/99, p. 485, unânime; Autos nº 1999.00.22746-8, Rel. Min. Edson Vidigal, 3ª S, j. em 01/07/1999, DJU 30/08/1999; RESP nº 227880/RS, nº 1999/0076033-6, Rel. Min. Edson Vidigal, 5ª T, j. em 16/05/2000, DJU 19/06/2000, unânime; RESP nº 251391/RJ, nº 2000/0024715-4, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T, j. em 07/11/00, DJU 27/11/2000, unânime; RESP nº 385152/MG, nº 2001/0178056-0, Re. Min. José Delgado, 1ª T, j. em 02/05/2002, DJU 10/06/2002, unânime.

5. Assim, o caso do procurador nada teve de excepcional, tendo recebido o mesmo tratamento de inúmeros outros casos idênticos da época, em que a Justiça fez valer a Constituição. O pai do procurador da República, Agenor Dallagnol, antes de se tornar advogado, foi membro do Ministério Público do Estado do Paraná, sem qualquer vinculação com os órgãos federais que se manifestaram e julgaram o caso, quais sejam, Ministério Público Federal, Justiça Federal em Curitiba e Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. Se o jornalista fosse cioso pelo cumprimento das leis, como o diz, seria o primeiro a defender a Constituição, que a Justiça fez valer no caso do procurador assim como em inúmeros outros casos similares na mesma época.

6. As insinuações surreais, maldosas, irresponsáveis e sem qualquer base na realidade só podem ser compreendidas como mais uma tentativa leviana do jornalista Reinaldo Azevedo de atingir a credibilidade das investigações por meio do ataque à reputação de um dos procuradores que atuam na Lava Jato, como já fez em outras oportunidades. Com o devido respeito que se deve a toda pessoa, esse tipo de atitude, em vez de minar a credibilidade da Lava Jato, mina sim a credibilidade e a qualidade do jornalismo por ele desenvolvido.

*Matéria atualizada às 18h38 do dia 24 de julho de 2017

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